Foram validados 124 doutorados e 791 mestrados por Instituições de Ensino Superior brasileiras. Esquema é a ponta do iceberg, diz especialista
A Polícia Federal (PF) investiga a atuação da Facultad Interamericana de Ciencias Sociales (Fics) no Brasil por emissão irregular de diplomas de graduação, mestrado e doutorado.
Em junho, a Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários enviou ofícios a diversas Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras pedindo explicações sobre o reconhecimento de títulos expedidos pela instituição paraguaia.
De acordo com outro documento obtido pelo Extra Classe, a Fics, registrada no Paraguai como Instituto Superior Interamericano de Ciencias Sociales (Isics), está proibida, há sete anos, de oferecer programas acadêmicos e emitir diplomas com validade oficial. Mesmo assim, a instituição continua tendo títulos apresentados para reconhecimento no Brasil.
O delegado da PF Bráulio Cezar da Silva Galloni, responsável pelo caso, reforçou no pedido de informações que a Fics opera de forma irregular no país e não possui registro no Ministério da Educação e Ciências do Paraguai (MEC-PY) nem no Conselho Nacional de Educação Superior (Cones).
Histórico e proibição no Paraguai
O Isics foi autorizado pelo governo paraguaio, em 2006, a emitir certificados de mestrado ou pós-graduação em Relações Internacionais. No entanto, passou a oferecer diplomas em diversas áreas sem autorização do MEC-PY, especialmente na área Educação.
Segundo a Direção Geral de Universidades, Institutos Superiores e Institutos Técnicos Superiores do MEC-PY, desde 2013 os títulos emitidos pela instituição “não se encontram registrados oficialmente junto ao Ministério”.
Quadro de deferimento de cursos do MEC:

Em 2018, o Cones suspendeu o registro de diplomas da Fics após denúncias de cursos não autorizados e emissão de títulos falsos. A investigação revelou que a instituição funcionava como uma “faculdade de fachada”: não tinha sede física fixa, carecia de infraestrutura e corpo docente no Paraguai, e captava majoritariamente alunos brasileiros por redes sociais, como o Facebook.
Pelas regras brasileiras — Resolução 01/2022 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE/CES) —, cursos estrangeiros só podem ser reconhecidos se forem regulares no país de origem. Ainda assim, desde 2019 a plataforma Carolina Bori, do MEC (brasileiro), registra cursos da Fics, mesmo após a proibição de funcionamento no Paraguai.
Quadro de evolução dos deferimentos:

Reconhecimento no Brasil
Na Carolina Bori, IES públicas e privadas informam os dados para que diplomados no exterior solicitem a revalidação ou o reconhecimento de seus títulos.
Há 917 titulações ligadas à Fics: duas graduações, 124 doutorados e 791 mestrados. Desse total, 841 foram deferidos integralmente, 14 deferidos com complementação e apenas 62 indeferidos.
Deferimentos por áreas de ensino:

Fonte: Plataforma Carolina Bori/MEC
No Rio Grande do Sul, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) aparecem com uma solicitação cada, ambas negadas. Já a Universidade de Passo Fundo (UPF) figura com dois mestrados em Ciências da Educação deferidos e um doutorado na mesma área indeferido.
O cenário nacional revela forte concentração na rede privada, responsável por 76,7% das solicitações (704 processos). A Universidade Metropolitana de Santos (Unimes) responde sozinha por 52% dos casos privados, com 477 deferimentos e apenas um indeferimento. Outras instituições com volume expressivo são a Universidade da Amazônia (Unama), com 79 processos; a Universidade de Uberaba (Uniube), com 28; e a Universidade do Vale do Sapucaí (Univás), com 27.
Entre as públicas, que somaram 213 processos, a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) lidera com 113 deferimentos condicionados a complementação. A Universidade do Estado do Amazonas (UEA) teve 29 deferimentos totais, sem ajustes.
Ponta do iceberg e esquema internacional
Especialista em revalidação e reconhecimento de diplomas disse ao Extra Classe que o caso da Fics é “apenas a ponta do iceberg” do que a PF ainda pode vir a escobrir. Ele pediu anonimato por segurança pessoal e revela que existe um esquema internacional sofisticado para vender diplomas ou enganar candidatos interessados em pós-graduação mais barata ou com menores exigências acadêmicas.
O advogado goiano Marco Túlio Elias Alves trocou e-mails com a Fics em 2022. Ele conheceu a instituição através de uma propaganda do Instituto Brasileiro de Direito da Família. “Sou filiado a ele. É um instituto muito sério, muito tradicional”, disse.
Alves só não fechou contrato com a Fics porque a turma da pós-graduação que queria não completou o número mínimo de matrículas. Segundo ele, a quantidade de processos deferidos na plataforma Carolina Bori gerou credibilidade à empresa paraguaia na ocasião.
Possíveis anulações nas progressões de carreira
O advogado hoje trabalha esporadicamente com Revalidação e Reconhecimento de diplomas no MEC e se surpreendeu com o fato da Fics não estar devidamente habilitada no seu país. “Uma das exigências da plataforma é o atestado de regularidade da instituição estrangeira”, explica. Uma das suspeitas, crê, falsificação de documentos, o que só poderá ser provado pela investigação da PF.
“Eu fico um pouco chateado, porque essas universidades brasileiras, vão acabar anulando esses reconhecimentos. Como a maioria dos diplomas são na área de educação, provavelmente são professores que fizeram mestrados e doutorados para receber gratificação do estado ou do município. Pode ser que em alguma situação tenham até que devolver esse dinheiro. Tem gente que está recebendo há quatro anos, cinco anos desse valor e, com reconhecimento anulado, pode ser que tenha que devolver”, conclui Alves.
O que diz a FICS
(Atualização em 11/8, às 16h) Assessoria de comunicação da FICS entrou em contato com o Extra Classe na tarde do desta segunda, 11, para enviar uma nota á imprensa em que a instituição alega não qualquer ilegalidade na emissão dos diplomas. Segundo o assessor, “trata-se de uma adequação de numerosas instituições de ensino do Paraguai à nova legislação de educação do país, já em processo final de solução no Congresso Nacional, com aprovação de lei específica. Quanto à investigação da Polícia Federal, a FICS não tem conhecimento do teor dos autos, pois não foi citada. Ao buscar informações na instituição, recebeu a informação de que não está incluída na investigação”. Leia a íntegra da Nota.
No documento, a FICS jutifica que o Senado do Paraguai aprovou recentemente o projeto que atualiza a regulamentação da instituição, cuja sede central localiza-se em Assunção, como instituição de Ensino Superior. “A partir da promulgação da lei, conforme consta do próprio teor da proposta, ela seguirá autorizada a implementar cursos de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado) na área das Ciências Sociais, incorporando a pesquisa científica e tecnológica e a extensão acadêmica, bem como a conceder títulos e diplomas no âmbito dessas carreiras”, diz a nota.
A FICS alega que todas as faculdades paraguaias criadas antes da vigência da nova Lei da Educação Superior do país, em agosto de 2013, precisam de leis específicas para atualizar sua regulamentação. É o caso da FICS, instituída por lei promulgada em agosto de 2006. “Nos 19 anos de sua trajetória acadêmica, a instituição sempre operou com plena legalidade, ficando dependendo, como tantos outros estabelecimentos universitários paraguaios, da votação no Congresso de lei específica para atualizar sua regulamentação, num trâmite bastante demorado”, afirma.
Mandado de segurança na Justiça de Alagoas
A FICS informa que já ingressou com mandado de segurança na Justiça de Alagoas, no sentido de que a validação dos diplomas de pós-graduação seja restabelecida de imediato. Afinal, com a regulamentação aprovada pelo Legislativo paraguaio, não há mais razão para invalidação, já que em termos de critérios acadêmicos e qualitativos nunca houve qualquer empecilho referente aos títulos e à boa formação dos alunos da FICS.
Fonte: Extra Classe