Questões como o regime de cumprimento de pena, em caso de condenação, a perda de direitos políticos e a extensão total da sentença estarão no centro das discussões
O julgamento da trama golpista pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que começa na terça-feira (2), irá definir o destino do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus. O debate, no entanto, vai além de declarar se os réus são culpados ou inocentes. Questões como o regime de cumprimento de pena, em caso de condenação, a perda de direitos políticos e a extensão total da sentença estarão no centro das discussões. As informações são de O Globo.
Bolsonaro responde por acusações de “liderar” uma organização criminosa que supostamente operava um “projeto autoritário de poder” com o objetivo de dar um golpe de Estado. A denúncia do Ministério Público Federal (MPF) inclui cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Para cada um dos cinco crimes do qual Bolsonaro é acusado, haverá uma avaliação específica. Isso significa que os ministros podem condená-lo por alguns deles e absolvê-lo por outros, um veredito que será aplicado separadamente a cada acusado.
— Embora seja um único processo, cada crime é julgado de forma independente. E isso é feito de forma separada para cada acusado. Uma das teses da defesa é que haja essa “absorção” de um crime pelo outro — afirmou Thiago Bottino, professor de Direito Processual Penal na Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Um dos debates centrais será justamente sobre a possível “absorção” ou “cumulação” de crimes. As defesas argumentam, por exemplo, que os crimes de tentativa de abolir violentamente o Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado são semelhantes demais para justificar duas condenações separadas, o que configuraria uma dupla punição pelo mesmo fato. Eles defendem que, se houver a junção, prevaleça o crime com menor pena máxima.
Contudo, o entendimento majoritário no STF, como visto no julgamento dos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro, tem sido pela cumulação das penas.
— O precedente que há é o do julgamento dos manifestantes do 8 de janeiro e o posicionamento majoritário do tribunal é de cumulação das penas. O que ocorre em todos esses casos de manifestantes, quando falam que a pena é muito alta, isso ocorre porque os crimes foram somados. Ao juntar a pena média de cada um deles, eles acabam ficando altos — explica o professor de Direito da FGV, Rubens Glezer.
Outro ponto crucial, segundo Glezer, será a definição do que constitui “tentativa” de abolir o Estado Democrático de Direito. A acusação terá o ônus de provar que os atos dos réus foram uma tentativa concreta e não uma mera cogitação ou discussão.
A defesa de Bolsonaro afirma que ele é inocente e não compactuou com qualquer tentativa de ruptura democrática. Durante interrogatório no STF em junho, Bolsonaro admitiu ter discutido “alternativas” para sua derrota eleitoral em 2022, mas negou veementemente qualquer investida golpista. Segundo seu testemunho, o plano não prosperou e as propostas foram descartadas por falta de “clima”, “oportunidade” e “base minimamente sólida para qualquer coisa”.
Tempo de prisão
Em caso de condenação, outro fator decisivo será a “dosimetria” da pena – o cálculo final que definirá sua duração. A soma teórica das penas máximas de todos os crimes chega a 43 anos, mas o cálculo real é complexo e realizado em três fases.
Primeiro, os ministros estabelecem a pena-base, considerando antecedentes, culpabilidade e motivação. Na segunda fase, avaliam agravantes ou atenuantes da conduta de cada réu. Por fim, na terceira fase, analisam outras causas especiais que possam alterar a pena.
O regime de cumprimento inicial depende da soma das penas: se a condenação for até quatro anos, o regime é aberto. De quatro a oito, o regime é semiaberto. E para penas maiores de oito anos, o regime é fechado.
Local da prisão
Uma condenação que resulte em regime fechado para Bolsonaro abrirá um novo capítulo de discussão no STF: o local onde o ex-presidente cumpriria a pena. Entre as alternativas, estão uma cela especial no presídio da Papuda, em Brasília, ou a Superintendência da Polícia Federal no Distrito Federal, que já tem sala preparada para custódia individual. Além disso, ministros do STF não descartam a possibilidade de prisão domiciliar.
Bolsonaro já se encontra em prisão domiciliar desde o início do mês. A defesa pode pleitear a manutenção desse regime, invocando sua idade (70 anos) e seus problemas de saúde de conhecimento público. Desde o atentado a faca em 2018, o ex-presidente passou por sete cirurgias abdominais e, recentemente, enfrentou crises severas de soluço, chegando a declarar em julho que “vomitava dez vezes por dia”.
Inelegibilidade
Além da prisão, outra consequência de uma eventual condenação será a inelegibilidade. Bolsonaro já está impedido de disputar eleições até 2030 devido a uma condenação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No entanto, uma nova pena, proferida por um órgão colegiado como a Primeira Turma do STF, reforçaria e estenderia essa situação.
Pela Lei da Ficha Limpa, a inelegibilidade de oito anos é contada a partir do término do cumprimento da pena. Adicionalmente, ele perderia outros direitos políticos. De acordo com a legislação eleitoral brasileira, apenas presos provisórios mantêm o direito ao voto. Um cenário similar ocorreu com o ex-presidente Lula em 2018, que, preso em Curitiba, além de ter sua candidatura barrada, não pôde votar na eleição vencida por Bolsonaro.
Fonte: NSC Total
Foto: Reprodução