CALDAS NOVAS: DESTINO GIGANTE, MAS INVISÍVEL NO RADAR DAS GRANDES BANDEIRAS HOTELEIRAS

Como pode um dos maiores destinos turísticos do Brasil, com milhões de visitantes todos os anos, continuar invisível no radar das grandes bandeiras hoteleiras globais?

Caldas Novas é um gigante que atrai multidões, mas ainda não conseguiu se tornar palco dos investimentos que poderiam mudar de patamar sua hotelaria e sua economia. Será que estamos olhando demais para o volume e esquecendo da qualidade da demanda? Será que a falta de conectividade, de governança e de diferenciação não têm nos custado caro?

Esse é um debate urgente. Porque enquanto outros destinos recontam sua história, profissionalizam a multipropriedade, atraem MICE e se reposicionam no cenário global, Caldas Novas corre o risco de continuar sendo apenas “o lugar das águas quentes”, quando poderia ser muito mais. O futuro não depende da sorte, mas da capacidade de assumir o protagonismo que a cidade merece.

Compartilho um artigo em que analiso, com olhar de dentro e de fora, por que as grandes redes ainda não investem aqui, e o que precisa ser feito para mudar esse cenário.

Caldas Novas consolidou-se como um dos destinos mais visitados do Brasil, movida pela força das águas termais e pelo magnetismo dos parques aquáticos. Recebe milhares de famílias todos os anos, sobretudo de estados vizinhos, e tornou-se símbolo do turismo popular nacional. Ainda assim, diante de tanto movimento, chama atenção a ausência de grandes bandeiras hoteleiras internacionais ou mesmo de marcas nacionais de alto padrão. E a explicação para essa lacuna não está em um único fator, mas sim na combinação de condições de mercado, logística e modelo de operação que, no conjunto, acabam reduzindo a atratividade para esse perfil de investimento.

O público predominante do destino viaja em família, em deslocamentos curtos, altamente sensíveis a preço e com foco em lazer acessível. A diária média praticada na cidade é baixa, e a taxa de ocupação sofre com forte sazonalidade, oscilando entre picos em feriados e férias e baixas consideráveis no restante do ano. Esse tipo de comportamento não garante a estabilidade de receita que uma grande rede hoteleira precisa para justificar seu CAPEX elevado e seu padrão de operação global. Em paralelo, a conectividade aérea é limitada: o aeroporto recebe poucos voos, concentrados em períodos específicos, o que reforça a dependência do acesso rodoviário e limita a presença de segmentos corporativos e internacionais.

Há também um elemento estrutural que marca a região: a ampla adoção do modelo de multipropriedade, que se tornou referência nacional em Caldas Novas. Esse formato, longe de ser um problema em si, foi responsável por grande parte da expansão turística local e democratizou o acesso ao lazer. O que ocorre é que, em muitos casos, a ausência de uma integração plena entre multipropriedade e operação hoteleira acaba pressionando tarifas, fragmentando padrões de serviço e dificultando a criação de um inventário unificado e competitivo aos olhos de uma bandeira internacional. Ou seja, não é a multipropriedade que afasta esses investimentos, mas sim a forma como o destino ainda não estruturou no governança e modelos de gestão capazes de alinhar os diferentes interesses em prol de uma experiência uniforme e de alto valor.

Outro ponto que pesa é a diferenciação de produto. Enquanto outros destinos turísticos conseguiram criar experiências exclusivas, gastronomia autoral, wellness médico e entretenimento sofisticado, Caldas Novas permanece excessivamente ancorada no discurso do parque aquático e da piscina termal. Esse imaginário, embora poderoso para volume, limita a possibilidade de cobrar mais caro por uma experiência de hospedagem e consumo diferenciada. Some-se a isso o fato de que o principal ativo do destino, o aquífero termal, exige uma governança ambiental mais sólida, já que estudos apontam riscos de sobreuso. Em um mundo onde sustentabilidade e ESG são fatores centrais, a simples percepção de risco ambiental pode desestimular investimentos internacionais.

O resultado desse conjunto de fatores é claro: não falta público em Caldas Novas, mas falta um ecossistema integrado que permita às grandes bandeiras enxergarem previsibilidade de receita, consistência de produto e segurança de operação. Enquanto o destino continuar apoiado quase exclusivamente no lazer popular, com baixa diária média, forte sazonalidade e pouca integração entre os diferentes modelos de negócio que já estão presentes, os grandes grupos continuarão optando por praças mais maduras e com retorno mais previsível.

Mas essa realidade não precisa ser permanente. A cidade tem todos os elementos para dar um salto de qualidade: investir em conectividade aérea, estruturar um centro de convenções que atraia o segmento de eventos, criar produtos e experiências de padrão superior, aprimorar a integração entre a multipropriedade e a operação hoteleira, e adotar uma narrativa sustentável clara em relação ao uso de suas águas. O capital internacional não teme novos mercados; ele apenas evita riscos não endereçados. Quando Caldas Novas alinhar sua força de demanda com governança, diferenciação e sustentabilidade, deixará de ser vista apenas como um gigante do turismo popular e passará a se posicionar como um destino completo e atraente também para as grandes bandeiras globais.

Quem é o Autor?

David José de Jesus Passos é especialista em negócios de turismo, hospitalidade e multipropriedade, fundador da KPI Inteligência de Negócios e co-criador de produtos para empreendimentos que têm transformado o setor em diferentes regiões do Brasil. Criado e enraizado em Caldas Novas, construiu sua carreira com base no estudo dos indicadores, na criação de estratégias comerciais e no desenvolvimento de produtos turísticos capazes de unir inovação, governança e propósito.

Formado em Turismo pela UNICALDAS, com MBA em Gestão de Vendas e Equipes pelo IPOG, David alia formação acadêmica sólida a uma vivência prática no coração da indústria hoteleira e imobiliária. Ao mesmo tempo em que é consultor de dados e estrategista de investimentos, é também alguém que conhece o destino de dentro para fora: suas ruas, suas águas, seus dilemas e suas potencialidades.

Sua voz carrega tanto a autoridade de quem compreende profundamente o mercado quanto a sensibilidade de quem vive na terra sobre a qual escreve. Para ele, o futuro de Caldas Novas não depende apenas das águas termais que a tornaram famosa, mas da capacidade coletiva de transformar esse recurso em prosperidade sustentável, atrativa e respeitada por investidores, turistas e pela própria comunidade que a mantém viva.

Por: David José de Jesus Passos

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